Motivação

Como já dizia John M. Chambers quando criou a linguagem S (predecessora do R), o objetivo da linguagem é

“… to turn ideas into software, quickly and faithfully.”

e transformar usuários em programadores de maneira rápida e conveniente.

Se você já explorou um pouco mais do que o potencial básico do R, certamente já criou sua própria função (ou várias funções) para fazer alguma tarefa específica. A ideia é que se você tiver que realizar uma tarefa muitas vezes, então deve criar uma função para fazer isso.

A criação de um pacote do R pode ter duas motivações principais:

  • Agrupar e manter uma série de funções criadas por você e que são basicamente de uso próprio ou rotineiro.
  • Compartilhar funções de novos métodos e/ou implementações que você tenha criado e queira disponibilizar para outras pessoas usarem.

Não raramente, um pacote de uso pessoal acaba se tornando útil para outras pessoas e o autor disponibiliza para uso geral. O importante é então saber como transformar suas funções em um pacote. E mais importante ainda é saber como fazer isso se preocupando apenas com as funções, ao invés de se preocupar com todo o processo de criação do pacote.

A criação de um pacote no R pode ser feita de duas formas:

  • Tradicional: usando os comandos padrões do R para criação de pacotes, como R CMD build para criar e R CMD check para conferir o pacote, ambos executados através de um terminal e não de uma sessão do R.
  • Moderna: usando o pacote devtools, que possui funções para criar e conferir o pacote (inclusive para testar e documentar as funções) de dentro de uma sessão do R.

A maneira tradicional de criar pacotes no R é um pouco mais trabalhosa, pois cada vez que você quiser checar se seu pacote está funcionando, é necessário ir para um terminal e rodar os comandos por fora do R. Além disso, se você quiser testar seu pacote após a instalação, será necessário instalar de fato o pacote e carregá-lo com library(). O grande problema é que durante o desenvolvimento de um pacote, esses passos geralmente são repetidos muitas vezes, o que torna todo o processo muito demorado.

O pacote devtools facilita todo esse processo, pois você pode construir, checar, documentar (e conferir a documentação) de dentro da própria sessão do R que você está desenvolvendo o pacote. Além disso esse pacote também permite que, com uma função, você simule a instalação do seu pacote na mesma sessão R, evitando ter que instalar e desinstalar para testes todas as vezes.

Um outro aspecto fundamental de todo pacote é a sua documentação. Da maneira tradicional, é necessário criar os arquivos .Rd e escrever usando uma linguagem muito parecida com o LaTeX. Toda vez que você quiser editar a documentação é necessário abrir esses arquivos e modificá-los nesse formato. Para facilitar ainda mais a vida dos programadores, existe o pacote roxygen2, que possibilita escrever a documentação dentro da própria função .R, integrando código e documentação em um único arquivo, e facilitando a edição das páginas de ajuda.

O pacote roxygen2 pode ser utilizado também na abordagem tradicional de criação de pacotes, eliminando uma etapa trabalhosa que é a de criar os arquivos de documentação. No entanto, podemos usar todo o potencial do devtools e do roxygen2 juntos, e nos preocuparmos apenas com o design das funções e não com todo o processo de criação do pacote em si.

Estrutura de um pacote

Basicamente um pacote do R é uma convenção para organizar e padronizar a distribuição de funções extras do R. Todo pacote é composto obrigatoriamente por apenas dois diretórios e dois arquivos de meta dados:

  • R/: um diretório contendo as funções em arquivos *.R (ex.: foo.R).
  • man/: um diretório contendo a documentação (páginas de ajuda) de cada função do diretório acima. Os arquivos de documentação do R terminam com a extensão .Rd (ex.: foo.Rd).
  • DESCRIPTION: um arquivo texto contendo as informações sobre o seu pacote: autor, licença, outros pacotes dependentes, …
  • NAMESPACE: um arquivo texto que informa quais funções do seu pacote serão exportadas, ou seja, aquelas que estarão disponíveis para o usuário, e quais funções são importadas de outros pacotes dos quais o seu depende.

Outros componentes que não são obrigatórios, mas podem estar presentes no pacote são:

  • tests/: um diretório contendo scripts com testes unitários, rodados durante a criação do pacote, para testar se existe algum resultado não esperado sendo retornado por alguma de suas funções.
  • vignettes/: um diretório que contém uma ou mais vignettes, que traduzidas literalmente são como “vinhetas”, pequenos (ou mesmo grandes) textos que explicam com mais detalhes como os usuários podem usar as funções de seu pacote.
  • data/: um diretório contendo arquivos de dados (normalmente em formato binário e comprimido do R, .rda), que podem ser usados como exemplos para aplicação das funções do pacote.

Caso você queira começar um pacote do início, as opções são: 1) criar todos os componentes (diretórios e arquivos) manualmente e ir alimentando com conteúdo, ou 2) usar a função create() do pacote devtools para criar um “esqueleto” inicial com os arquivos e diretórios fundamentais de um pacote. Portanto:

library(devtools)
create("prrpac", rstudio = FALSE)
Creating package 'prrpac' in '/home/fpmayer/GitHub/prr'
No DESCRIPTION found. Creating with values:
Package: prrpac
Title: What the Package Does (one line, title case)
Version: 0.0.0.9000
Authors@R: person("First", "Last", email = "first.last@example.com", role = c("aut", "cre"))
Description: What the package does (one paragraph).
Depends: R (>= 3.3.0)
License: What license is it under?
Encoding: UTF-8
LazyData: true

Como pode ser observado na saída acima, esse comando cria um diretório chamado meupacote, contendo dois arquivos: DESCRIPTION e NAMESPACE, e um diretório: R/

.
├── DESCRIPTION
├── NAMESPACE
└── R

1 directory, 2 files

Note que na mensagem de criação acima, o arquivo DESCRIPTION já é preenchido com alguns campos padrão, sendo necessário apenas alterá-los com as informações do seu pacote.

Abaixo serão especificados os detalhes para a criação de cada um dos componentes obrigatórios criados acima.

DESCRIPTION: Caracterização do pacote

O arquivo DESCRIPTION é quem caracteriza o seu pacote: que é (são) o(s) autor(es), uma breve descrição do que ele faz, qual o tipo de licença, quais pacotes são necessários para que o seu funcione, e mais alguns detalhes.

Seguindo os campos do DESCRIPTION criados anteriormente com a função create(), temos alguns detalhes:

Package: prrpac

É simplesmente o nome do seu pacote.

Title: What the Package Does (one line, title case)

Uma breve descrição (de uma linha) sobre o que o seu pacote faz.

Version: 0.0.0.9000

A versão inicia (ou atual do pacote). O versionamento de qualquer pedaço de software é uma coisa muito importante e não há um consenso de que exista um padrão para todos os casos. No entanto, nos pacotes do R, recomenda-se que as versões sejam do tipo x.y-z ou x.y.z onde x seria a versão “maior”, y a versão “menor”, e z os “patches” (alterações menores no código, como correção de bugs por exemplo).

Authors@R: person("First", "Last", email = "first.last@example.com", role = c("aut", "cre"))

O autor, ou os autores e contribuidores do pacote. Este campo pode ser preenchido com a função person() do R, no formato que está apresentada. Se tiver mais de um autor, eles podem ser concatenados com a função c(), por exemplo, c(person(...), person(...)). O argumento role é importante pois é ele que identifica o papel de cada autor no desenvolvimento do pacote. Por padrão, é necessário ter um (e somente um) autor "aut" e um mantenedor "cre", que pode ou não ser a mesma pessoa. Outros papéis, como por exemplo o de um contribuidor ("ctb"), e outros detalhes dessa função estão em ?person.

Description: What the package does (one paragraph)

Uma descrição um pouco mais detalhada sobre o que o seu pacote faz. É preciso ter pelo menos duas frases completas (sim, o R confere isso), mas não muito maior do que um parágrafo.

Depends: R (>= 3.3.0)

Qual a versão do R que o seu pacote depende. É sempre prudente colocar uma versão que seja maior ou igual a versão que você está desevolvendo o pacote.

License: What license is it under?

A licença é fundamental se você pretende compartilhar o seu pacote. Algumas opções comuns são: CC0 (nenhum tipo de restrição), MIT (prevê atribuição mas é bastante permissiva), e GPL-3 (a mais utilizada, requer que qualquer trabalho derivado do seu seja distribuido com a mesma licença). Para mais opções e detalhes sobre licenças de software livre, consulte choosealicense.com.

LazyData: true

Essa opção somente é importante se você pretende distribuir algum conjunto de dados com o seu pacote (arquivos .rda no diretório data/). Com a opção acima, os dados só serão carregados se realmente forem chamados (com a função data()), e não carregados na inicialização do pacote. Isso garante mais agilidade para carregar o pacote e economiza memória caso os dados não sejam utilizados (especialmente se as bases de dadpos forem gandes).

Outros campos do arquivo DESCRIPTION que serão necessários caso seu pacote possua dependências:

  • Imports: uma lista, separada por vígulas, dos pacotes dos quais o seu pacote precisa para funcionar. Estes são os pacotes que o seu depende, portanto eles também serão instalados (se já não estiverem), quando o seu for instalado. Colocar um pacote nesse campo garante que o pacote estará instalado, mas não que ele será carregado toda que vez que o seu pacote for carregado. Para utilizar funções de outros pacotes corretamente é necessário especifições da forma pacote::funcao() ou então utilizar o arquivo NAMESPACE conforme veremos abaixo.
  • Suggests: os pacotes listados aqui não serão instalados junto com o seu. Eles podem ser usados, mas não são necessários. Por exemplo, você pode usar um pacote apenas para usar alguma base de dados ou apenas uma função. Use esse campo apenas se o seu pacote puder funcionar mesmo sem os pacotes especificados.

Para podermos utilizar esse arquivo para de fato gerarmos um pacote de exemplo ao final deste tutorial, vamos modificar alguns campos e utilizar o seguinte arquivo DESCRIPTION:

Package: prrpac
Title: Pacote Para Pesquisa Reproduzivel
Version: 0.0.1
Authors@R: c(person("Fernando", "Mayer", email = "fernando.mayer@ufpr.br", role = c("aut", "cre")),
             person("Walmes", "Zeviani", email = "walmes@ufpr.br", role = "ctb"))
Description: Pacote de exemplo para pesquisa reproduzivel com R. Para
             mais informacoes consulte o material.
Depends: R (>= 3.3.0)
License: GPL-3
Encoding: UTF-8
LazyData: true

R/: Funções

O diretório R/ irá conter apenas as funções (arquivos .R) do seu pacote. As funções podem estar em vários arquivos .R separados (um para cada função) ou em um (ou alguns) arquivo único. A escolha é mais uma questão de preferência pessoal, mas como veremos mais adiante, utilizar arquivos separados para as funções torna o processo de documentação um pouco mais ágil, além de facilitar a manutenção do pacote com o tempo.

Para exemplificar, vamos criar uma função simples para fazer a soma de dois números, e colocá-la dentro do diretório R/ com o nome soma.R

soma <- function(x, y){
    x + y
}

Com a função pronta, possivelmente iremos testá-la, e para isso vamos utilizar a função load_all() do pacote devtools. Portanto, de dentro de uma seção do R:

load_all()
Loading prrpac

irá carregar todas as funções que estiverem dentro do diretório R/, tornado-as disponíveis para uso. Note que seria o mesmo resultado se utilizassemos a função source("soma.R") para carregar a função, no entanto, se tivermos várias funções, e/ou estivermos testando alterações em muitas delas, a função load_all() é bem mais conveniente. Basta fazer as alterações nas funções .R, carregá-las com load_all()e testar novamente. Esse processo geralmente se repete muitas vezes durante o desenvolvimento de um pacote.

man/: Documentação

Você deve ter notado que o diretório man/ não é criado da mesma forma que os demais quando utilizamos a função create() acima. Isso porque esse diretório depende das funções que serão criadas dentro do diretório R/. No entanto, ele é também é obrigatório para podermos criar um pacote mínimo.

Como mencionado anteriormente, a documentação de funções do R segue um formato muito parecido com o LaTeX (mas com alguns comandos próprios). Cada função criada dentro do diretório R/, independente de estar em um arquivo separado ou único (com várias funções), deve obrigatoriamente ter um arquivo correspondente dentro do diretório man/, com a extensão .Rd. No caso da nossa função de exemplo acima, que está em um arquivo chamado soma.R, precisaremos então de um arquivo soma.Rd dentro do man/.

Existem duas formas de documentar uma função com os arquivos .Rd: uma é da maneira tradicional, escrevendo manualmente a documentação utilizando a linguagem específica e colocando os campos necessários. Os detalhes de como fazer isso manualmente estão em Writing R documentation files. Outra forma de escrever a documentação de uma função é utilizando o pacote roxygen2, que utiliza algumas tags simples e permite que você escreva a documentação dentro do próprio arquivo .R. Dessa forma fica muito mais simples alterar ou atualizar a documentação de uma função, pois tudo se concentra dentro de um único arquivo.

Neste texto vamos utilizar o pacote roxygen2 para gerar a documentação das funções. O primeiro passo é escrever a documentação dentro do arquivo .R. A documentação usando o roxygen2 segue o seguinte formato:

  • Toda documentação começa com um comentário especial, do tipo #' (note o ' depois do #).
  • Os campos de documentação são criados a parir de tags que iniciam com @, colocados logo após um comentário especial #'.
  • Toda a documentação deve ficar diretamente acima do início da função.

Usando como exemplo a função soma() criada acima dentro do arquivo soma.R, podemos documentá-la com o roxygen2 da seguinte forma:

#' @title Faz a Soma de Dois Numeros
#' @name soma
#'
#' @description Uma (incrivel) funcao que pega dois numeros e faz a
#'     soma. Utilize este campo para descrever melhor o proposito de
#'     sua funcao e o que ela e capaz de fazer.
#'
#' @param x Um numero
#' @param y Outro numero
#'
#' @details Utilize este campo para escrever detalhes mais tecnicos da
#'     sua funcao (se necessario), ou para detalhar melhor como
#'     utilizar determinados argumentos.
#'
#' @return A soma dos numeros \code{x} e \code{y}.
#'
#' @author Fernando Mayer
#'
#' @seealso \code{\link[base]{sum}}, \code{\link[base]{+}}
#'
#' @examples
#' soma(2, 2)
#'
#' x <- 3
#' y <- 4
#' soma(x = x, y = y)
#'
#' @export
soma <- function(x, y){
    x + y
}

Para gerar a documentação agora basta utilizar a função document() do pacote devtools:

document()
Updating prrpac documentation
Loading prrpac
Updating roxygen version in  /home/fpmayer/GitHub/prr/prrpac/DESCRIPTION 
Writing NAMESPACE
Writing soma.Rd

Observação: o comando document() do pacote devtools é de fato um “wrapper” para a função roxygenize() do pacote roxygen2.

O resultado da chamada dessa função é:

  • Criar o diretório man/ se ele ainda não existir, ou se for a primeira vez que estiver criando a documentação com a função document().
  • Gerar os arquivos .Rd dentro de man/ (se ainda não existirem) correspondentes às funções no diretório .R.
  • Se os arquivos .Rd já existirem, a chamada da função document() irá apenas atualizar os arquivos que foram modificados.
  • Escrever no arquivo NAMESPACE as funções a serem exportadas ou importadas. Veremos mais detalhes abaixo na seção NAMESPACE.

No nosso exemplo, a chamada da função document() criou o diretório man/ e gerou o arquivo soma.Rd com o seguinte conteúdo

% Generated by roxygen2: do not edit by hand
% Please edit documentation in R/soma.R
\name{soma}
\alias{soma}
\title{Faz a Soma de Dois Numeros}
\usage{
soma(x, y)
}
\arguments{
\item{x}{Um numero}

\item{y}{Outro numero}
}
\value{
A soma dos numeros \code{x} e \code{y}.
}
\description{
Uma (incrivel) funcao que pega dois numeros e faz a
    soma. Utilize este campo para descrever melhor o proposito de
    sua funcao e o que ela e capaz de fazer.
}
\details{
Utilize este campo para escrever detalhes mais tecnicos da
    sua funcao (se necessario), ou para detalhar melhor como
    utilizar determinados argumentos.
}
\examples{
soma(2, 2)

x <- 3
y <- 4
soma(x = x, y = y)

}
\author{
Fernando Mayer
}
\seealso{
\code{\link[base]{sum}}, \code{\link[base]{+}}
}

Note que é muito mais simples ecrever com o roxygen2 do que ter que editar esse arquivo todo a mão. Note também o comentário no início desse arquivo:

% Generated by roxygen2: do not edit by hand
% Please edit documentation in R/soma.R

O roxygen2 deixa claro que você não deve (e não precisa) modificar esse arquivo soma.Rd para atualizar a documentação. Sempre que alterar alguma coisa faça no próprio arquivo .R, e a função document() irá atualizar a documentação no arquivo .Rd.

Para conferir se a documentação está de acordo com o que você espera, você pode conferir a qualquer momento, por exemplo, com ?soma ou help(soma), após rodar a função load_all() para carregar a documentação atualizada depois de document().

Uma outra forma mais automática de conferir se a documentação está escrita de maneira correta, é utilizando a função check_man() do pacote devtools:

check_man()
Updating prrpac documentation
Loading prrpac
Checking documentation

Se nenhuma mensagem de aviso ou erro apareceu acima, então a documentação está de acordo com o esperado.

Alguns detalhes das tags utilizadas nesse exemplo do roxygen2:

  • @title: um título curto da função (deve ser capitalizado).
  • @name: o nome da função.
  • @description: descreve o que a função faz e pra que ela serve, de maneira geral.
  • @param: descreve o que cada argumento da função faz. Deve ser sempre no formato: @param SPC argumento SPC descrição do argumento.
  • @details: espaço para escrever mais detalhes, geralmente mais técnicos, sobre a sua função, e/ou para detalhar alguma coisa específica de algum argumento.
  • @return: especifica o que a sua função retorna (um gráfico, uma lista, um número, …)
  • @author: autr(es) da função.
  • @seealso: outras funções que podem ser úteis para quem está usando a sua função, ou funções similares. No exemplo acima temos duas marcações que são específicas da documentação do R: \code{} para que o texto dentro das chaves saia com fonte fixa (como esta), geralmente para especificar nomes de funções, etc.; \link[<pacote>]{<função>} faz o link para a página de ajuda de alguma <função> dentro de algum <pacote>. Mais marcações do formato .Rd podem ser encontradas no manual de documentação do R (seção Rd format), e podem ser utilizadas dentro na documentação com roxygen2.
  • @example: exemplos de uso da sua função.
  • @export: esta tag é a responsável por sua função ficar disponível para os usuários, e é o que faz a função ser incluida no NAMESPACE (mais detalhes serão vistos na seção NAMESPACE abaixo). Se você não quer que a função seja disponibilizada para os usuários quando carregarem o seu pacote (em funções internas ou auxiliares por exemplo), simplesmente não inclua esta tag na documentação.

NAMESPACE: Organização

O NAMESPACE é um arquivo que ajuda a organizar as funções exportadas e importadas pelo seu pacote. Ele ajuda um pacote a ser auto contido, no sentido de que ele não vai interferir no funcionamento de outros pacotes, e que também os outros pacotes não irão interferir no funcionamento do seu.

Normalmente, a especificação do NAMESPACE é a parte mais difícil da criação de um pacote, mas com o uso do devtools como estamos fazendo, normalmente não será necessário se preocupar com todos os detalhes que envolvem esse arquivo. O mais importante é saber quais funções serão exportadas do seu pacote, quais serão importadas, e de que maneira podemos especificar essas funções.

Exportando funções

O conceito de exportar uma ou mais funções de um pacote, é o de tornar estas funções disponíveis para o usuário. No desenvolvimento de um pacote, normalmente são criadas algumas funções internas ou auxiliares, que são utilizadas por uma ou mais funções principais. Se em nenhum momento estas funções precisarem ser utilizadas pelo usuário do pacote, então elas não precisam (e não devem) ser exportadas, para minimizar a possibilidade de conflito com outros pacotes.

Quando um pacote é carregado com library() ou require(), ele é “anexado” (attached) ao workspace do usuário, tornando assim as funções exportadas disponíveis para serem utilizadas. Você pode conferir a lista de pacotes anexados em seu workspace com search().

Por padrão, quando iniciamos um pacote com a função create() do pacote devtools, é criado um arquivo NAMESPACE que exporta automaticamente todas as funções que forem criadas, e que não começem com um ponto .. O arquivo NAMESPACE inicial possui essa especificação:

# Generated by roxygen2: fake comment so roxygen2 overwrites silently.
exportPattern("^[^\\.]")

No entanto, se você não quiser exportar todas as funções de dentro do diretório R/, será necessário especificar quais funções deseja exportar. Para isso, basta usar a tag @export na documentação da função com o roxygen2 (assim como usamos na documentação da função soma.R acima). A função document() é a responsável por verificar as funções que possuem @export e colocá-las adequadamente no arquivo NAMESPACE. Dessa forma, usando o nosso exemplo, após escrever a função soma.R com @export e rodar document(), o arquivo NAMESPACE agora será:

# Generated by roxygen2: do not edit by hand

export(soma)

Se houverem mais funções exportadas, elas aparecerão nesse arquivo, uma em cada linha. Caso existam funções que você não queira exportar, basta não colocar a tag @export na documentação da função. (Na verdade, as funções não exportadas não precisam nem ser documentadas, mas é sempre uma boa prática escrever a documentação até mesmo para você no futuro).

Importando funções

Normalmente as funções que estamos criando para um pacote utilizam funções de outros pacotes. Todas as funções dos pacotes que são distribuídos e automaticamente carregados quando você inicia uma sessão do R, são disponíveis para serem utilizadas em qualquer outra função, sem a necessidade de qualquer especificação adicional. Estes pacotes básicos do R são: base, utils, datasets, grDevices, graphics, stats, e methods. Esse conjunto de pacotes já garante uma grande quantidade de funções, no entanto, algumas vezes podem ser necessárias funções específicas de outros pacotes.

Existem três formas básicas de importar, ou seja, utilizar funções de outros pacotes dentro do seu pacote:

  1. pacote::funcao(): chamar uma função utilizando o operador :: é recomendado quando o função for utilizada poucas vezes. Dessa forma fica claro no seu pacote aonde uma função externa está sendo utilizada.
  2. @importFrom pacote funcao: se uma funcao for utilizada váras vezes dentro de um pacote, ou se mais de uma função do mesmo pacote for utilizada, recomenda-se especifica-las com a tag @importFrom na documentação roxygen2. Dessa forma não é necessário utilizar o operador :: na chamada das funções, o que torna o código um pouco mais legível se muitas funções externas forem utilizadas.
  3. @import pacote: se o seu pacote depende de muitas funções de outro(s) pacote(s), então o mais razoável é importar todas as funções do pacote. Isso é feito utilizando a tag @import na documentação do roxygen2 da função. Dessa forma, todas as funções do pacote estarão disponíveis para serem utilizadas no seu pacote.

Já vimos anteriromemte na seção DESCRIPTION que existe um campo Imports que serve para especificar quais pacotes o seu depende. Se você utilizou qualquer um dos três métodos acima para importar uma ou várias funções, então obrigatoriamente o pacote que contém estas funções deve ser listado no campo Imports do arquivo DESCRIPTION.

Uma distinção importante é que listar os pacotes no campo Imports do arquivo DESCRIPTION, garante que o usuário terá instalado os pacotes necessários para que o seu funcione, mas ele não é o responsável por carregar e tornar as funções desse pacote disponível. Esse papel é feito por algum dos três métodos citados acima, que por consequência irão atualizar o arquivo NAMESPACE, que é o verdadeiro responsável por carregar os pacotes e funções necessárias para o uso do seu pacote.

Por exemplo, vamos criar uma função personalizada para fazer um gráfico de pontos utilizando a função xyplot() do pacote lattice. Vamos supor que esse gráfico personalizado usa um x no lugar do ponto (pch = 4), e de cor preto (col = 1), já que o padrão do lattice é azul claro. Vamos chamar essa função de meuxy() e colocá-la no arquivo meuxy.R do diretório R/. O conteúdo desse arquivo é:

#' @title Faz um Grafico Personalizado
#' @name meuxy
#'
#' @description Uma (incrivel) funcao para fazer um xyplot
#'     personalizado. Usando o pacote lattice.
#'
#' @param x Uma formula do lattice
#' @param ... Outros argumentos passados para a funcao
#'     \code{\link[lattice]{xyplot}}
#'
#' @details Utilize este campo para escrever detalhes mais tecnicos da
#'     sua funcao (se necessario), ou para detalhar melhor como
#'     utilizar determinados argumentos.
#'
#' @return Um grafico xyplot do lattice com \code{pch = 4} e \code{col =
#'     1}.
#'
#' @author Fernando Mayer
#'
#' @seealso \code{\link[lattice]{xyplot}}
#'
#' @examples
#' meuxy(1:10 ~ 1:10)
#'
#' @importFrom lattice xyplot
#'
#' @export
meuxy <- function(x, ...){
    xyplot(x, pch = 4, col = 1, ...)
}

Agora é necessário rodar a função document() para gerar o arquivo man/meuxy.Rd e atualizar o arquivo NAMESPACE, com a exportação da função meuxy(), e a importação da função xyplot() do pacote lattice.

document()
Updating prrpac documentation
Loading prrpac
Writing NAMESPACE
Writing meuxy.Rd

Note que, na mensagem acima, além de criar o arquivo meuxy.Rd, houve uma atualização do arquivo NAMESPACE, que agora irá conter:

# Generated by roxygen2: do not edit by hand

export(meuxy)
export(soma)
importFrom(lattice,xyplot)

Ou seja, já estamos exportando a função meuxy(), e importando a função xyplot() do pacote lattice, através da função importFrom(), colocada no NAMESPACE

importFrom(lattice,xyplot)

Note que, neste exemplo, utilizamos a tag

#' @importFrom lattice xyplot

Mas poderíamos também ter utilizado o operador :: diretamente na função, por exemplo

meuxy <- function(x, ...){
    lattice::xyplot(x, pch = 4, col = 1, ...)
}

E, nesse caso, não precisariamos usar a tag @importFrom. O resultado no NAMESPACE seria o mesmo. A tag @import também poderia ter sido utilizada, por exemplo,

#' @import lattice

No entanto, nesse caso não há vantagem em importar todo o pacote pois estamos utilizando apenas uma função.

Como mencionameos anteriormente, a importação de funções realizadas até aqui, cria as entradas necessárias no arquivo NAMESPACE e torna as funções disponíveis para o pacote. Sempre que importarmos qualquer função, será necessário acresentar o nome do pacote à que a função pertence no arquivo DESCRIPTION, mais especificamente no campo Imports. Isso garante que o usuário que instalar o seu pacote também terá instalado o pacote necessário para que o seu funcione. Esta inserção deve ser feita manualmente, ou utilizando a função use_package() do devtools. Por exemplo, o comando abaixo irá inserir automaticamente o pacote lattice no campo Imports do arquivo DESCRIPTION.

use_package("lattice")
* Adding lattice to Imports
Next: 
Refer to functions with lattice::fun()

Dessa forma, o arquivo DESCRIPTION ficaria atualizado com o seguinte conteúdo (repare a última linha):

Package: prrpac
Title: Pacote Para Pesquisa Reproduzivel
Version: 0.0.1
Authors@R: c(person("Fernando", "Mayer", email = "fernando.mayer@ufpr.br", role = c("aut", "cre")),
             person("Walmes", "Zeviani", email = "walmes@ufpr.br", role = "ctb"))
Description: Pacote de exemplo para pesquisa reproduzivel com R. Para
    mais informacoes consulte o material.
Depends:
    R (>= 3.3.0)
License: GPL-3
Encoding: UTF-8
LazyData: true
RoxygenNote: 5.0.1
Imports: lattice

Construindo o pacote

A última etapa é finalmente construir o pacote, ou seja, gerar um arquivo fonte (ou binário) que pode ser distribuído para os usuários instalarem.

Antes de construir o pacote, podemos rodar uma série de checagens para conferir se todos os componentes do pacote estão funcionando como seria o esperado. Essa checagem é feita com o comando R CMD check depois de construir o pacote. No entanto, como estamos usando o devtools, podemos simplificar e utilizar a função check() para realizar a mesma checagem automaticamente, de dentro de uma sessão do R, e deixar para construir o pacote só no final quando tudo estiver funcionando.

Rodando a função check():

check()
Updating prrpac documentation
Loading prrpac
Setting env vars ----------------------------------------------------------
CFLAGS  : -Wall -pedantic
CXXFLAGS: -Wall -pedantic
Building prrpac -----------------------------------------------------------
'/usr/local/lib64/R/bin/R' --no-site-file --no-environ --no-save  \
  --no-restore --quiet CMD build '/home/fpmayer/GitHub/prr/prrpac'  \
  --no-resave-data --no-manual 
Setting env vars ----------------------------------------------------------
_R_CHECK_CRAN_INCOMING_USE_ASPELL_: TRUE
_R_CHECK_CRAN_INCOMING_           : FALSE
_R_CHECK_FORCE_SUGGESTS_          : FALSE
Checking prrpac -----------------------------------------------------------
'/usr/local/lib64/R/bin/R' --no-site-file --no-environ --no-save  \
  --no-restore --quiet CMD check '/tmp/RtmpBGUn4C/prrpac_0.0.1.tar.gz'  \
  --as-cran --timings --no-manual 
R CMD check results
0 errors | 0 warnings | 0 notes
* checking for file ‘/home/fpmayer/GitHub/prr/prrpac/DESCRIPTION’ ... OK
* preparing ‘prrpac’:
* checking DESCRIPTION meta-information ... OK
* checking for LF line-endings in source and make files
* checking for empty or unneeded directories
* building ‘prrpac_0.0.1.tar.gz’
* using log directory ‘/tmp/RtmpXTZjUO/prrpac.Rcheck’
* using R version 3.3.0 (2016-05-03)
* using platform: x86_64-pc-linux-gnu (64-bit)
* using session charset: UTF-8
* using options ‘--no-manual --as-cran’
* checking for file ‘prrpac/DESCRIPTION’ ... OK
* this is package ‘prrpac’ version ‘0.0.1’
* package encoding: UTF-8
* checking package namespace information ... OK
* checking package dependencies ... OK
* checking if this is a source package ... OK
* checking if there is a namespace ... OK
* checking for executable files ... OK
* checking for hidden files and directories ... OK
* checking for portable file names ... OK
* checking for sufficient/correct file permissions ... OK
* checking whether package ‘prrpac’ can be installed ... OK
* checking installed package size ... OK
* checking package directory ... OK
* checking DESCRIPTION meta-information ... OK
* checking top-level files ... OK
* checking for left-over files ... OK
* checking index information ... OK
* checking package subdirectories ... OK
* checking R files for non-ASCII characters ... OK
* checking R files for syntax errors ... OK
* checking whether the package can be loaded ... OK
* checking whether the package can be loaded with stated dependencies ... OK
* checking whether the package can be unloaded cleanly ... OK
* checking whether the namespace can be loaded with stated dependencies ... OK
* checking whether the namespace can be unloaded cleanly ... OK
* checking loading without being on the library search path ... OK
* checking dependencies in R code ... OK
* checking S3 generic/method consistency ... OK
* checking replacement functions ... OK
* checking foreign function calls ... OK
* checking R code for possible problems ... OK
* checking Rd files ... OK
* checking Rd metadata ... OK
* checking Rd line widths ... OK
* checking Rd cross-references ... OK
* checking for missing documentation entries ... OK
* checking for code/documentation mismatches ... OK
* checking Rd \usage sections ... OK
* checking Rd contents ... OK
* checking for unstated dependencies in examples ... OK
* checking examples ... OK
* DONE
Status: OK

Note que esta checagem é bem completa, e se o status final for OK, então o pacote está funcionando e pronto para ser instalado. Se nesta checagem aparecer no final algum NOTE, significa que o pacote funciona mas algumas coisas precisam ser arrumadas. Se houverem ERRORs, o processo de checagem é parado e não é possível instalar o seu pacote até que no seja arrumado.

Finalmente para construir o pacote, usaremos a função build() do pacote devtools:

build()
'/usr/local/lib64/R/bin/R' --no-site-file --no-environ --no-save  \
  --no-restore --quiet CMD build '/home/fpmayer/GitHub/prr/prrpac'  \
  --no-resave-data --no-manual 
* checking for file ‘/home/fpmayer/GitHub/prr/prrpac/DESCRIPTION’ ... OK
* preparing ‘prrpac’:
* checking DESCRIPTION meta-information ... OK
* checking for LF line-endings in source and make files
* checking for empty or unneeded directories
* building ‘prrpac_0.0.1.tar.gz’
[1] "/home/fpmayer/GitHub/prr/prrpac_0.0.1.tar.gz"

O resultado da chamada dessa função é o arquivo prrpac_0.0.1.tar.gz que contém o código-fonte do seu pacote e está pronto para ser distribuído e instalado no Linux e Mac.

NOTA: no mesmo diretório onde você está desenvolvendo o pacote, você pode ter outros arquivos e diretórios. Por exemplo, algumas pessoas preferem ter um diretório que não irá fazer parte do pacote, mas que serve para guardar scripts de teste, bases de dados, material em desenvolvimento, etc. Nestes casos é necessário especificar que estes arquivos e diretórios devem ser ignorados no processo de checagem (check()) e construção do pacote (build()). Caso algum arquivo ou diretório que não seja comum ao pacote do R, esses comandos retornarão com um erro, e não será possível construir o pacote. Para evitar estes erros e ao mesmo tempo manter esses arquivos e diretórios, liste-os pelo nome no arquivo .Rbuildignore na raíz do pacote. Por exemplo, se você tiver o diretório playground/ e um arquivo chamdo teste.R, coloque no arquivo .Rbuildignore:

teste.R
playground/

Para gerar um arquivo binário (.zip) para instalar no Windows, o processo é mais complicado (como tudo no Windows). Esse arquivo binário só é possível ser gerado de dentro do Windows, o que, em muitos casos, ão está disponível para uso. Uma opção então é utilizar o win-builder, um servidor Windows disponibilizado pelos mantenedores do R para que pessoas sem acesso ao Windows possam gerar arquivos binários de pacotes. O processo consiste em entrar na página e enviar o código-fonte (.tar.gz) por upload. Em alguns minutos você recebe um email com o link para baixar a versão binária do seu pacote para Windows.

Como estamos usando o devtools, podemos apenas utilizar a função build_win(), que irá fazer todo esse processo automaticamente. O link com a versão binária do arquivo será enviado para o email colocado no campo Maintainer no arquivo DESCRIPTION, por isso é importante que seja um email válido.

build_win()

Uma vantagem dessa função é que ela também roda uma checagem para ver se o pacote funcionará adequadamente no Windows.

Workflow

Um workflow típico para a construção de um pacote utilizando devtools e roxygen2 seria:

##======================================================================
## Criando pacote com devtools e roxygen2
##======================================================================

##----------------------------------------------------------------------
## Pacotes necessarios
library(devtools)
library(roxygen2)

##----------------------------------------------------------------------
## 1) Criando a estrutura (esqueleto) do pacote
create("prrpac", rstudio = FALSE)
# irá criar o diretório 'meupacote' com man/, R/ e DESCRIPTION
# Edite o arquivo DESCRIPTION com as informações do seu pacote

##----------------------------------------------------------------------
## 2) Crie funções e carregue com
load_all()
# cada vez que criar ou alterar uma função, use esse comando para
# carregá-las no seu workspace e testá-las. Crie funções em arquivos com
# extensão .R dentro do diretório R/

##----------------------------------------------------------------------
## 3) Documente as funções usando as tags do roxygen2 e use a função
document()
# para gerar os arquivos com extensão .Rd correspondentes no diretório
# man/. Use também a função
check_man()
# para conferir a documentação

##----------------------------------------------------------------------
## 4) Certifique-se de que o arquivo NAMESPACE esteja contendo todas as
## funções do seu pacote a serem exportadas, e todas as funções (ou
## pacotes inteiros) a serem importadas para o seu pacote. Use as tags
## @export para exportar e @import ou @importFrom para importar (na
## documentação roxygen2 de cada função). Rode
document()
# sempre que exportar ou importar uma função, para que o arquivo
# NAMESPACE seja atualizado.

##----------------------------------------------------------------------
## 5) Confira o pacote com
check()
# e construa o pacote final com
build()

Referências


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